O jogo de ontem no Bom-Sucesso teve 3 grandes penalidades e metade dos 8 golos resultaram de lances de bola parada. Neste capítulo, a equipa da freguesia de Aradas mostrou ter a pontaria mais afinada. Marcou as duas grandes penalidades, enquanto a nossa equipa não conseguiu chegar ao golo no castigo máximo de que beneficiou. As emoções das grandes penalidades do jogo deste sábado trouxeram-me à memória uma crónica escrita por Julio Llamazeres, que faz parte do livro "Contos de futebol". Uma publicação notável que reúne 10 contos sobre futebol, dentro e fora do campo, sobretudo de autores ibero-americanos, de entre os quais se destacam Javier Marias, Osvaldo Soriano e, não um escritor propriamente dito, mas um dos maiores escribas sobre as coisas da bola - Jorge Valdano, hoje director-desportivo do Real Madrid. O conto escrito por Julio Llamazares chama-se "Tanta pasión para nada". Fala sobre um jogador do Desportivo da Corunha, Djukic, que falhou o penalty que impediu o Corunha de ser campeão espanhol já lá vão 15 anos. O drama é mais intenso se recordar que o penalty foi desperdiçado no último minuto do último jogo do campeonato. Quem se ficou a rir com o penalty falhado foi o Barcelona, que acabaria por se sagrar campeão nessa época (1993-1994). Aqui deixo alguns traços do conto "Tanta pasión para nada". Um pedaço de texto que prova que a bola pode rimar com letras:
"Quando segurou a bola, Djukic lembrou-se do que a sua mulher lhe tinha dito naquela tarde; parecia que o tinha profetizado. Se surgir a ocasião, tinha-lhe dito Ceca, nem te passe pela cabeça marcar um pénalti"
"Quando Ceca disse aquilo, Djukic - lembrava-se agora - tinha começado a rir-se. Achara tanta graça à carinhosa advertência de Ceca, sempre tão receosa, sempre tão preocupada com ele, que desatara a rir-se como fazia quando a mãe lhe dizia em pequeno, lá, em Stitar (que longe estava agora!), que não rematasse com muita força, não fosse magoar o guarda-redes."
"(...) os seus companheiros já o procuravam com o olhar e, do banco, todos, Arsenio, o médico, o massagista, até os jogadores suplentes - entre os quais observou Donato - lhe faziam gestos histéricos para que se dirigisse à outra área. A Djukic pareceu-lhe que todo o estádio se apoiava, de repente, sobre ele."
"(...) os jogadores de ambas as equipas, o público, inclusivamente, os polícias e os fotógrafos, que até esse instante se amontoavam às centenas por trás da baliza, tinham desaparecido. No estádio de Riazor - e no mundo - já só estavam ele, o guarda-redes e o árbitro."
"Djukic começou a correr, sem saber ainda como marcar o pénalti. Já não podia pensar; já era tarde para tudo. Pontapeou a bola sem a olhar, como se chutasse o ar (o ar que lhe faltava) e durante uns segundos, que lhe pareceram longuíssimos, intermináveis, observou como se afastava em direcção à baliza, onde a mancha azul do guarda-redes começava, lentamente, a deslocar-se. Nem sequer viu para onde ia; não viu como a defendeu. Apenas viu que, de repente, o campo voltou a rugir, depois de vários segundos mudo, e o guardião do Valencia, que tinha voltado a levantar-se, começava a correr e a dar saltos de alegria, enquanto os seus companheiros de equipa corriam a abraçá-lo. Tinha defendido o pénalti. Os companheiros de Djukic tardaram mais a fazer-lhe o mesmo, mas ele nem chegou a dar por isso. Ajoelhado no relvado, como um pugilista caído, só pensava em fugir dali enquanto repetia para si mesmo, como quando o seu irmão se matou, o que o pai costumava dizer da vida quando esta o maltratava: "tanta paixão para nada".
"Quando segurou a bola, Djukic lembrou-se do que a sua mulher lhe tinha dito naquela tarde; parecia que o tinha profetizado. Se surgir a ocasião, tinha-lhe dito Ceca, nem te passe pela cabeça marcar um pénalti"
"Quando Ceca disse aquilo, Djukic - lembrava-se agora - tinha começado a rir-se. Achara tanta graça à carinhosa advertência de Ceca, sempre tão receosa, sempre tão preocupada com ele, que desatara a rir-se como fazia quando a mãe lhe dizia em pequeno, lá, em Stitar (que longe estava agora!), que não rematasse com muita força, não fosse magoar o guarda-redes."
"(...) os seus companheiros já o procuravam com o olhar e, do banco, todos, Arsenio, o médico, o massagista, até os jogadores suplentes - entre os quais observou Donato - lhe faziam gestos histéricos para que se dirigisse à outra área. A Djukic pareceu-lhe que todo o estádio se apoiava, de repente, sobre ele."
"(...) os jogadores de ambas as equipas, o público, inclusivamente, os polícias e os fotógrafos, que até esse instante se amontoavam às centenas por trás da baliza, tinham desaparecido. No estádio de Riazor - e no mundo - já só estavam ele, o guarda-redes e o árbitro."
"Djukic começou a correr, sem saber ainda como marcar o pénalti. Já não podia pensar; já era tarde para tudo. Pontapeou a bola sem a olhar, como se chutasse o ar (o ar que lhe faltava) e durante uns segundos, que lhe pareceram longuíssimos, intermináveis, observou como se afastava em direcção à baliza, onde a mancha azul do guarda-redes começava, lentamente, a deslocar-se. Nem sequer viu para onde ia; não viu como a defendeu. Apenas viu que, de repente, o campo voltou a rugir, depois de vários segundos mudo, e o guardião do Valencia, que tinha voltado a levantar-se, começava a correr e a dar saltos de alegria, enquanto os seus companheiros de equipa corriam a abraçá-lo. Tinha defendido o pénalti. Os companheiros de Djukic tardaram mais a fazer-lhe o mesmo, mas ele nem chegou a dar por isso. Ajoelhado no relvado, como um pugilista caído, só pensava em fugir dali enquanto repetia para si mesmo, como quando o seu irmão se matou, o que o pai costumava dizer da vida quando esta o maltratava: "tanta paixão para nada".
Simplesmente espectacular este momento literário!! Bem haja Sá,agradeçemos esta partilha, lembrando-nos que a vida é feita de episódios, uns bons, outros menos bons, mas que tenhamos sempre força para continuarmos em frente e de cabeça levantada.Quem esteve neste jogo, provavelmente não se esquecerá do penalty que foi defendido que poderia ter dado outro resultado se...mas de "ses" poderemos sempre especular, o que é certo é que só falha quem tenta e se desta vez falhou, a seguir terá outra oportunidade para fazer melhor porque sabe que o importante é dar sempre o seu melhor!!
ResponderEliminarO futebol deve ser visto exactamente como um espaço de lazer e formador das nossas crianças. Quero dar os meus parabéns pelo vosso contributo. Continuem. João Roque.
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